terça-feira, 24 de maio de 2011

Dias 10 e 11 - Parma

Claro que eu vim pra Parma com o objetivo de me empaturrar dos famosos presuntos e queijos da região. Entâo vamos relevar o fato de que foi lá que eu fiz uma das maiores burradas da minha curta história mochileira.


Prosciutto di Parma e Parmigiano-Reggiano

apressado come cru

Tudo começou na manhã do dia 13 de agosto. Uma sexta-feira. Ainda em Bolonha acordei cedo para fazer check-out no hotel e percebi que os euros que eu tinha levado do Brasil haviam chegado ao fim. Fiquei com preguiça de ir até o centro da cidade trocar os cheques de viagem e decidi retirar dinheiro de um caixa eletrônico qualquer.

- Houve um problema com o link. Operação não efetuada.

"Que estranho", pensei. "Na outra viagem sempre usei normalmente a função de sacar dinheiro e nunca deu problema."

Tentei em outro caixa eletrônico e o problema se repetiu.

Eu não ia esquentar cabeça por causa disso, afinal eu tinha o meu cartão de crédito e ele era mais do que suficiente para me sustentar até conseguir sacar o dinheiro ou trocar os cheques.

Check-out feito, fui até a estação e peguei o trem até Parma. No primeiro dia conheci a cidade, a praça principal e a catedral. Nada de mais, na realidade.

A Piazza Garibaldi

A catedral (em reforma)

Por dentro

Mas reparem que em nenhum momento eu me importei em ir trocar os cheques de viagem por euros.

Pro dia seguinte eu tinha planejado altas aventuras de bike pelo entorno da região de Parma, famosa pelas fazendas onde são produzidos os queijos e pelos dezenas de castelos constrídos ali. Então no fim do dia voltei pro albergue e fui dormir.

Assim que acordei fui alugar a bicicleta que me permitiria viver as tais altas aventuras. Mal sabia eu que ela me proporcionaria, sim, aventuras. Mas beeeeem diferentes do que eu imaginava.  Fui até a lojinha de bikes e falei: "moço, quero alugar uma bike". Ele tirou cópia do meu cartão e do meu passaporte, como garantia pela bicicleta. Depois  me deu as chaves do cadeado e perguntou "vai pagar agora ou na volta?". "Agora", respondi. Melhor deixar tudo pago logo, pensei, enquanto sacava  novamente o cartão de crédito e entregava pro moço.

Foi então que ele me deu a resposta que alteraria drasticamente o rumo da viagem:

- Pagamento só com dinheiro

Dei de ombros e pensei comigo: "tudo bem... a essa altura o caixa eletrônico já deve estar funcionando... e se não estiver eu troco o traveler cheque no banco".

Peguei a bicicleta e saí pedalando rumo ao interior. Parma é super plana e muito gostosa de pedalar. E como o clima estava propicio, parecia que ia ser tudo uma delícia.

Eu ainda não tinha tomado café da manhã, então aproveitei pra passar em um mercadinho e comprar alguns quitutes pra fazer um piquenique em algum lugar bacana que eu encontrasse pelo caminho.

Continuei pedalando e logo tinha atravessado toda a cidade e chegado até a rodovia. Pedalei por mais alguns quilômetros até que começou a garoar. "Dá pra aguentar", pensei. Mas logo a chuva engrossou e tive que procurar um lugar pra me abrigar. Como estava no meio da estrada, as opções eram poucas.

Milagrosamente achei uma árvore com um banquinho embaixo e fiquei por ali mesmo esperando a chuva passar.

E como o raio da chuva não passava nunca, acabei fazendo meu piquenique por ali mesmo


Não é o mais glamuroso dos lugares pra piquenique, mas naquela situação quebrou o galho

Chove chuva


Depois de comer fiquei ali mais um tempão. Esperei, esperei e nada. Àquela altura os meus planos de ir visitar os castelos tinham ido por água abaixo junto com a chuva. Tudo o que eu queria era que ela passasse logo pra eu poder voltar pra cidade.

E continuei esperando... esperei... esperei... e a chuva simplesmente não passava. Eu pensava o tempo inteiro em sair pedalando de volta debaixo da  chuva mesmo. Mas sempre era demovido pelo seguinte argumento "se eu sair agora e a chuva passar em 15 minutos vou ficar ensopado à toa".


Aguardando pacientemente a chuva passar

E fiquei nesse ciclo um tempão. Debaixo daquela árvore nessa dura missão de discordar de mim mesmo. Sempre com o mesmo argumento "se eu sair agora e a chuva passar em 15 minutos vou ficar ensopado à toa."

 Por fim, parei de dar ouvidos ao meu lado sensato, cansei de esperar e falei:

-Ah, quer saber? que se dane... vou debaixo da chuva mesmo...."

Quinze minutos depois, quando eu já estava todo ensopado e batendo o queixo de frio, parou de chover.

***

Cheguei novamente na cidade e me lembrei que tinha arrumar o dinheiro pra pagar a bicicleta. Tentei o caixa eletrônico e o prolema de link continuava. Mas eu não ia me desperar por causa daquilo... era só ir em banco e trocar os cheques.

Rumei até o banco mais próximo e estava fechado. Fui pra outro, fechado também. Achei aquilo tudo muito estranho até que constatei horrorizado que era um sábado. Sim, um sábado... obviamente que durante o mochilão eu não fico olhando calendário e tinha perdido totalmente a noção de dias de semana.

Agora era oficial. Eu tinha que pagar a bicicleta e tudo o que tinha no bolso eram algumas moedinhas de euro. E por mais que eu quase sempre ache uma solução gambiarrística pra todas os problemas, eu simplesmente não sabia o que fazer diante daquela situação. Batia a cabeça na parede, espremia o cerébro e nada... nenhuma ideaizinha... não havia simplesmente nenhuma claytice que pudesse resolver aquela situação

Quase não dormi à noite tentando imaginar um jeito de pagar a bicicleta. Mas minhas esperanças de não ser preso basicamente se concentravam na possibilidade dos caixas eltrônicos terem voltado a funcionar na manhã seguinte.

Assim que levantei fui correndo ao caixa mais próximo, coloquei o cartão como se minha vida dependesse daquilo. Cada segundo à espera da resposta parecia uma eternidade... a máquina pensou, pensou e, por fim, me deu a mesma mensagem: não foi possível completar a transação por problema de link"

Naquela hora de total desespero apenas duas palavras vieram à minha mente: "FO-DEU"

Cabisbaixo, derrotado e me sentindo um lixo irresposável, me dirigi até o lugar de devolver a bicicleta. A única coisa que eu podia fazer era falar a verdade, por menos plausível que ela parecesse...

Cheguei lá e quem estava atendendo era uma mocinha... expliquei toda a situação enquanto ela prestava atenção em cada palavra que eu falava.

Durante aqueles breves minutos em que eu estava expondo a situação, vasculhei o semblante da guria atrás de qualquer traço de desconfiança ou de pulga atrás da orelha... pra ser sincero minha história  parecia não fazer muito sentido... por que ela acreditaria em mim? E mesmo que acreditasse... o problema de não ter o dinheiro era meu, e não dela...

Mas, terminada a história, ela fez a última coisa que eu esperava que ela fizesse: pegou as cópias do meu passaporte e do cartão de crédito, rasgou tudo na minha frente e falou "a gente não vai esquentar a cabeça por causa de uns míseros euros, né?  =)".

Mal posso descrever a sensação de alivio que senti na hora. Minha vontade era pular o balcão e dar um beijo naquela guria. Agora, com 200kg de peso a menos nas minhas costas, eu podia continuar a viagem.