sábado, 16 de julho de 2011

Dias 13, 14 e 15 - Viena

Quando abri os olhos percebi que já era manhã. Da minha cama conseguia escutar que no corredor um italiano tagarela falava bem alto (provavelmente a causa de eu ter acordado). Ainda tentei pegar no sono novamente, mas era inutil.

Levantei e fui pro corredor observar a paisagem e procurar a Julie Delpy, como no filme. Mas obviamente ela não estava no trem... Humpf!. A vida às vezes podia ser mais parecida com o cinema...

Mais uma vez eu estava diante de um país totalmente novo, e isso ficava bem claro na arquitetura das casinhas à beira da linha do trem e dos dezenas de moinhos (ou cataventos, sei lá o nome daquilo) que havia pelo caminho.


Aqueles rolos de feno engraçados
Os cataventos lá no fundo...

Não sabia que Bauhaus era isso...

Enquanto eu apreciava a paisagem, o trem chegou em Viena. A estação fica meio longe do centro da cidade, mas é do lado do metrô. Tudo o que eu tinha que fazer era comprar um bilhete, pegar o metrô, descer na estação certa e fazer a baldeação rumo ao centro. Fácíl, correto?

Nem um pouco!


Cheguei são e salvo

Claro que chegar a um país novo sempre é uma delícia, mas havia o detalhe irrelevante de que eu estava num país novo cuja língua eu não entendo patavinas. Dei trocentas voltas pelo metrô tentando entender onde vendia o bilhete. Nenhum letreiro que eu lia parecia fazer sentido. Fiquei observando as pessoas que entravam na estação pra ver se alguma ia comprar o bilhete, mas não deu muito resultado.

Por fim avistei uma máquina que supus ser pra vender bilhetes. Fucei nela sem entender nada do que eu estava fazendo até que finalmente vi a salvadora opção de mudar a linguagem para "inglês"
Mas meus problemas não acabaram aí, a maquininha sacana oferecia trocentas opções de bilhetes. Como eles pensam que eu poderia saber que diacho de bilhete preciso comprar?? Escolhi aquele que parecia mais bonito e fui pro trem.
Como em quase todos os lugares que fui na Europa, não havia catraca. Era dentro do trem que o moço vem conferir o bilhete. Para evitar problelmas me antecipei e fui procurar o inspetor pra perguntar se eu tava com o bilhete certo pra ir pro centro. Ele fez positivo com a cabeça e finalmente pude relaxar um pouco.
Meu relaxamento durou cinco segundos, até eu lembrar que tinha que saber a estação certa pra fazer a baldeação.
Ainda no Brasil eu já tinha feito o roteiro bem bonitinho explicando como chegar ao centro. "É só seguir o que escrevi lá que vai dar tudo certo ^^", pensei.
O que estava escrito no meu roteiro é o seguinte "Pegar metrô U6 no sentido Florisdorf na estação Philadelphiabrücke. Descer na segunda parada (Langerfeld-gasse) e trocar pro metro U4 no sentido Heiligenstadt. Depois é só descer na Schwadenplat.

WTF! Philadelphiabrück?????  Langerfeld-gasse????? Claro que o nome dessas estações não fazem o menor sentido e eu não consegui decorar nenhum. Cada estação que passava eu ficava conferindo o nome com o do roteiro pra ver se era a certa.
Pois bem, eu tinha que descer na segunda estação, dizia o roteiro. Já estava lá pela sexta e absolutamente nenhum nome coincidia com o que estava escrito.

"Me perdi de novo", pensei. "E o pior, agora não tenho roteiro nenhum pra me levar de volta pro caminho certo". Fiquei tentando me convencer a descer em alguma estação e pegar o trem de volta pra refazer o caminho. Mas não fazia sentido. Eu prestei bem atenção nos nomes e nenhuma estação era a que eu tinha que descer. Era óbvio que o roteiro tava errado. E nisso o trem seguia seu caminho rumo ao não sei onde
.
Até que, para meu total e completo espanto o trem chegou em uma estação chamada "Schwadenplat". Sim, Schwadenplat! Exatamente a estação que deveria ser meu destino final caso eu tivesse seguido o roteiro. Sinceramente até hoje não consegui entender o sentido daquilo. Eu tinha feito a rota seguindo o mapa do metrô de Viena, simplesmente não havia trem direto para a estação que eu queria. De todo jeito que eu montava o roteiro eu TINHA que fazer a baldeação. Mas enfim, de vez em quando a sorte sorri até pra mim =)

E o mais importante de tudo: em Viena as pessoas deixam o lado esquerdo da escada rolante livre pra quem tá com pressa! É realmente a cidade dos sonhos...
Depois de tantas aventuras no metrô, fui deixar as malas no hotel para poder caminhar pela cidade.
Viena é um dos lugares com melhor qualidade de vida da Europa. A cidade é linda, plana, limpa, repleta de parques e áreas verdes. Muito, muito agradável pra camnhar tanto de dia quanto à noite.


Logo que saí do metrô, à beira do canal do Danúbio

O canal à noite, com um barzinho ali no navio
Fim de tarde estirado na graminha =)

Meu primeiro destino foi a catedral, um dos marcos da cidade. Depois fui até um museu em homenagem ao Mozart. Eles fizeram o museu na casa onde o compositor morou e compôs vária de suas obras. É absolutamente sensacional olhar pelas janelas daquela casa e ter a mesma vista que Mozart tinha quando morava ali.

A catedral

Entrada da casa do Mozart, num dos corredores vienenses

A vista que ele tinha da janela


E por falar em Mozart, a cidade tem verdadeira devoção pelos compositores que moraram ali, como Strauss. Só que isso tem um lado brega, por todo canto de Viena existem pessoas vestidas de Mozart tentando vender ingressos para concertos de turistas. Esses concertos nada mais são do que uma espécie de "greatest hits" dos compositores famosos da cidade.

Comprar ingressos com esses caras é um caso a parte. Cheguei até um deles e perguntei quanto custavam. "É tal valor", respondeu (não lembro mais qual era). Agradeci e já ia me virar pra ir embora quando ele me perguntou: "você é estudante??? estudante paga metade!!!" "Não, não sou estudante".  "não tem problema! É só falar que é estudante que eu te dou o desconto, ninguém vai te pedir nada na hora de entrar".

É o tal do "jeitinho vienense"

Um dos integrantes do exército de Mozart e o famoso "jeitinho vienense"

Recusei a oferta do cara, mas acabei indo em um dos concertos. Ainda que os músicos sejam muito bons, é uma experiência só pra turista mesmo. Primeiramente pelo fato de sempre tocarem as mesmas composições. Segundo, lá dentro é permitido tirar foto, gravar, enfim, fazer o diabo. Algo que não é muito comum numa sala de concerto.

Os músicos

Foi uma pena muito grande o fato de eu ter ido pra Viena exatamente durante as férias da Orquestra Filarmônica da cidade.

Bom, pelo menos ainda tenho uma desculpa pra voltar pra lá =)

Durante minha estada em VIena também fui até o Palácio de Schönbrunn, um complexo onde morava a gente graúda da Áustria antiga. Mas a parte mais terrível desse complexo é o labirinto que existe em seus jardins.

O palácio

A entrada do labirinto. Moleza...


Todo mundo sabe da minha incrível habilidade em me perder. Pois bem, todo mundo sabe disso, menos eu. Avistei a entrada do labirinto e falei pra mim mesmo "bah, esse troço vai ser moleza, em dois minutos acho a saída". Duas horas depois eu ainda estava lá preso, tomado por total desespero e já imaginando que ia passar a noite ali...

Os corredores intermináveis do labirinto

Lá de cima a galera rindo do povo perdido no meio do mato

Uma outra coisa muita estranha aconteceu durante a madrugada, no hotel. Eu tenho o costume de ficar sintonizando rádios das cidades por onde passo. Em Viena acabei achando uma que ficava tocando músicas brasileiras.

Só que eram músicas que eu nunca tinha ouvido na vida... corri pro google e fiquei procurando trechos delas pra saber do que se tratava... e o mais assustador é que não existiam... tocou várias músicas na rádio... e absolutamente nenhuma delas eu achei no google...  taí um fato que jamais conseguirei explicar...


Teve muita coisa legal e foram dias bem divertidos, mas nada disso me marcou tanto quanto um fato bem pitoresco que vivi em Viena.

Era minha útima noite na cidade, eu tinha acabado de sair do concerto e caminhava pelo centro rumo ao meu hotel.
Passei por uma barraquinha de cachorro-quente, dessas que vendem umas salsichas enormes, que a gente está acostumado a associar com a Alemanha. Pedi o meu lanche e resolvi comer por ali mesmo. Lá pela terceira mordida se aproximou de mim um senhor, aparentendo uns 80 anos. Imaginei que ele fosse um pedinte, mas só tive certeza quando ele estendeu pra mim a mão com a palma aberta voltada pra cima, no gesto universal de quem pede algo.

Eu nunca havia dado nenhuma esmola durante toda a viagem, mas naquele momento fiquei comovido com o olhar daquele senhor. Por isso enfiei a mão no bolso, saquei umas moedinhas e entreguei pra ele.

Achei que ele fosse simplesmente agradecer e ir embora, mas em vez disso, pôs a mão no meu braço e começou a falar. Falava de modo firme e pausado, sempre olhando nos olhos e sacudindo levemente o meu braço vez ou outra. Obviamente eu não entendia uma palavra do que aquele homem dizia, mas ele falava com tanta convicção e certeza que eu comecei a me desesperar. Eu queria de toda forma saber do que se tratava. Que mensagem tão importante era aquela que trazia ao semblante daquele homem uma clara imagem de quem conhecia muito bem a vida e sabia exatamente do que estava falando.

Por fim ele terminou de falar, fez um gesto de agradecimento com a cabeça e foi embora.

E a curiosidade por entender o que ele me dizia permanece até hoje. Talvez estivesse apenas me desejando coisas boas... ou falando dos erros que já cometeu na vida, de seus arrependimentos, do tempo que nunca mais voltar... e me aconselhando a não estragar tudo... Ou quem sabe estava me contando o segredo da vida.

Bom, seja lá o que for, o conteúdo daquele monólogo é algo nunca, nunca saberei =(


O QUE MAIS FIZ EM VIENA



Não podia ir a Vena e não comer o Wiener Schnitzel, o prato mais típico e turístico da cidade...

.... que emendei com uma torta de chocolate com sorvete


Também fui no Kunsthistorisches, onde pude colocar mais um Caravaggio na minha coleção


Rafael


A roda gigante, um dos símbolos de Viena... e mais uma vez a Julie Delpy não tava lá =(


Aqui foi onde assisti a uma apresentação de música grátis... não falo uma palavra de alemão... mas pelo menos "gratis" é igual ao português =)

Traumas de um país


Uma igreja da opus dei, com um esqueleto naquele esquife e a foto do Josemaria Escrivá em cima... pensei que era o esqueleto do cara, mas depois descobri na internet que não é


Mais de perto dá pra ver que ele é todo cravejado de brilhantes


Se eu fosse nerd com certeza me divertiria muito nessa loja...


Crânio do T-Rex, no museu de história natural


Outro foto do labirinto, agora tirada do local onde as pessoas riem dos coitados que tão lá perdidos



Mais fotinhas da cidade à noite







E de dia

domingo, 5 de junho de 2011

Dia 12 - Milão

Já mais distante da possibilidade de ir pra cadeia (ver post anterior), coloquei a mochila nas costas para retornar a Milão, de onde sairia o meu trem noturno para Viena.

Eu cheguei ainda bem cedo na estação e teria o dia todo pra aproveitar em Milão, já que o trem só saíria à noite. Por isso fui logo deixar as tralhas no depósito de bagagem.

Só que depois de tudo o que passei em Parma não podia mais dar sopa pro azar. "vai que eu deixo a mochila aí e depois eles só permitem pagar com dinheiro", pensei. Então fui trocar alguns reais que tinha achado na mochila por um punhado de euros. Pelo menos seria o suficiente pra me virar em caso de emergência.

Larguei as coisas no depósito e fui aproveitar o resto do domingo na cidade. Dei uma volta pelo Giardini Pubblici, um dos dois grandes parques de Milão, e depois fui visitar a Pinacoteca de Brera

O parque durante um domingo de sol

A pinacoteca

Como a catedral era caminho pro museu, aproveitei pra pedir pra algum turista tirar uma foto minha com ela ao fundo, pra minha coleção de fotos em lugares famosos.

Infelizmente o cara cortou o topo dela na foto...


Agora ela inteira

Já no fim da tarde voltei pra estação pra esperar o meu trem incrível. Procurei nos letreiros para ver de qual plataforma sairia o trem pra Viena. Li três vezes o painel inteiro e simplesmente não havia nenhum. No horário em que deveria sair meu trem pra Viena estava marcado a saída de um pra Veneza.

Comecei a pensar que tinha me enganado em algo e passei a imaginar os resultados catastróficos que isso ocasionaria. Peguei o meu bilhete pra conferir e estava tudo lá. O dia certo, o horário e a estação idem. Não era possível que não houvesse nenhuma indicação no letreiro sobre um trem indo pra Viena.

Procurem uma moça da Trenitalia e ela gentilmente me informou que aquele era o trem certo. Ela explicou que ele vai pra Veneza e só então segue pra Viena.

Já mais tranquilo, fui até uma vendinha e comprei alguns quitutes pra comer durante a viagem. Coisas saudáveis, como chocolates e bolachas recheadas.

Logo o trem chegou a plataforma e, nos vagões dormitórios, havia a indicação de que realmente iria pra Viena.

Meu trem chegando na plataforma 10

Minha cama durante a próxima noite


Era hora de se despedir novamente da sensacional Itália e sentir de novo aquele friozinho na barriga que aparece quando chega a hora de ir pra um país totalmente novo.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Dias 10 e 11 - Parma

Claro que eu vim pra Parma com o objetivo de me empaturrar dos famosos presuntos e queijos da região. Entâo vamos relevar o fato de que foi lá que eu fiz uma das maiores burradas da minha curta história mochileira.


Prosciutto di Parma e Parmigiano-Reggiano

apressado come cru

Tudo começou na manhã do dia 13 de agosto. Uma sexta-feira. Ainda em Bolonha acordei cedo para fazer check-out no hotel e percebi que os euros que eu tinha levado do Brasil haviam chegado ao fim. Fiquei com preguiça de ir até o centro da cidade trocar os cheques de viagem e decidi retirar dinheiro de um caixa eletrônico qualquer.

- Houve um problema com o link. Operação não efetuada.

"Que estranho", pensei. "Na outra viagem sempre usei normalmente a função de sacar dinheiro e nunca deu problema."

Tentei em outro caixa eletrônico e o problema se repetiu.

Eu não ia esquentar cabeça por causa disso, afinal eu tinha o meu cartão de crédito e ele era mais do que suficiente para me sustentar até conseguir sacar o dinheiro ou trocar os cheques.

Check-out feito, fui até a estação e peguei o trem até Parma. No primeiro dia conheci a cidade, a praça principal e a catedral. Nada de mais, na realidade.

A Piazza Garibaldi

A catedral (em reforma)

Por dentro

Mas reparem que em nenhum momento eu me importei em ir trocar os cheques de viagem por euros.

Pro dia seguinte eu tinha planejado altas aventuras de bike pelo entorno da região de Parma, famosa pelas fazendas onde são produzidos os queijos e pelos dezenas de castelos constrídos ali. Então no fim do dia voltei pro albergue e fui dormir.

Assim que acordei fui alugar a bicicleta que me permitiria viver as tais altas aventuras. Mal sabia eu que ela me proporcionaria, sim, aventuras. Mas beeeeem diferentes do que eu imaginava.  Fui até a lojinha de bikes e falei: "moço, quero alugar uma bike". Ele tirou cópia do meu cartão e do meu passaporte, como garantia pela bicicleta. Depois  me deu as chaves do cadeado e perguntou "vai pagar agora ou na volta?". "Agora", respondi. Melhor deixar tudo pago logo, pensei, enquanto sacava  novamente o cartão de crédito e entregava pro moço.

Foi então que ele me deu a resposta que alteraria drasticamente o rumo da viagem:

- Pagamento só com dinheiro

Dei de ombros e pensei comigo: "tudo bem... a essa altura o caixa eletrônico já deve estar funcionando... e se não estiver eu troco o traveler cheque no banco".

Peguei a bicicleta e saí pedalando rumo ao interior. Parma é super plana e muito gostosa de pedalar. E como o clima estava propicio, parecia que ia ser tudo uma delícia.

Eu ainda não tinha tomado café da manhã, então aproveitei pra passar em um mercadinho e comprar alguns quitutes pra fazer um piquenique em algum lugar bacana que eu encontrasse pelo caminho.

Continuei pedalando e logo tinha atravessado toda a cidade e chegado até a rodovia. Pedalei por mais alguns quilômetros até que começou a garoar. "Dá pra aguentar", pensei. Mas logo a chuva engrossou e tive que procurar um lugar pra me abrigar. Como estava no meio da estrada, as opções eram poucas.

Milagrosamente achei uma árvore com um banquinho embaixo e fiquei por ali mesmo esperando a chuva passar.

E como o raio da chuva não passava nunca, acabei fazendo meu piquenique por ali mesmo


Não é o mais glamuroso dos lugares pra piquenique, mas naquela situação quebrou o galho

Chove chuva


Depois de comer fiquei ali mais um tempão. Esperei, esperei e nada. Àquela altura os meus planos de ir visitar os castelos tinham ido por água abaixo junto com a chuva. Tudo o que eu queria era que ela passasse logo pra eu poder voltar pra cidade.

E continuei esperando... esperei... esperei... e a chuva simplesmente não passava. Eu pensava o tempo inteiro em sair pedalando de volta debaixo da  chuva mesmo. Mas sempre era demovido pelo seguinte argumento "se eu sair agora e a chuva passar em 15 minutos vou ficar ensopado à toa".


Aguardando pacientemente a chuva passar

E fiquei nesse ciclo um tempão. Debaixo daquela árvore nessa dura missão de discordar de mim mesmo. Sempre com o mesmo argumento "se eu sair agora e a chuva passar em 15 minutos vou ficar ensopado à toa."

 Por fim, parei de dar ouvidos ao meu lado sensato, cansei de esperar e falei:

-Ah, quer saber? que se dane... vou debaixo da chuva mesmo...."

Quinze minutos depois, quando eu já estava todo ensopado e batendo o queixo de frio, parou de chover.

***

Cheguei novamente na cidade e me lembrei que tinha arrumar o dinheiro pra pagar a bicicleta. Tentei o caixa eletrônico e o prolema de link continuava. Mas eu não ia me desperar por causa daquilo... era só ir em banco e trocar os cheques.

Rumei até o banco mais próximo e estava fechado. Fui pra outro, fechado também. Achei aquilo tudo muito estranho até que constatei horrorizado que era um sábado. Sim, um sábado... obviamente que durante o mochilão eu não fico olhando calendário e tinha perdido totalmente a noção de dias de semana.

Agora era oficial. Eu tinha que pagar a bicicleta e tudo o que tinha no bolso eram algumas moedinhas de euro. E por mais que eu quase sempre ache uma solução gambiarrística pra todas os problemas, eu simplesmente não sabia o que fazer diante daquela situação. Batia a cabeça na parede, espremia o cerébro e nada... nenhuma ideaizinha... não havia simplesmente nenhuma claytice que pudesse resolver aquela situação

Quase não dormi à noite tentando imaginar um jeito de pagar a bicicleta. Mas minhas esperanças de não ser preso basicamente se concentravam na possibilidade dos caixas eltrônicos terem voltado a funcionar na manhã seguinte.

Assim que levantei fui correndo ao caixa mais próximo, coloquei o cartão como se minha vida dependesse daquilo. Cada segundo à espera da resposta parecia uma eternidade... a máquina pensou, pensou e, por fim, me deu a mesma mensagem: não foi possível completar a transação por problema de link"

Naquela hora de total desespero apenas duas palavras vieram à minha mente: "FO-DEU"

Cabisbaixo, derrotado e me sentindo um lixo irresposável, me dirigi até o lugar de devolver a bicicleta. A única coisa que eu podia fazer era falar a verdade, por menos plausível que ela parecesse...

Cheguei lá e quem estava atendendo era uma mocinha... expliquei toda a situação enquanto ela prestava atenção em cada palavra que eu falava.

Durante aqueles breves minutos em que eu estava expondo a situação, vasculhei o semblante da guria atrás de qualquer traço de desconfiança ou de pulga atrás da orelha... pra ser sincero minha história  parecia não fazer muito sentido... por que ela acreditaria em mim? E mesmo que acreditasse... o problema de não ter o dinheiro era meu, e não dela...

Mas, terminada a história, ela fez a última coisa que eu esperava que ela fizesse: pegou as cópias do meu passaporte e do cartão de crédito, rasgou tudo na minha frente e falou "a gente não vai esquentar a cabeça por causa de uns míseros euros, né?  =)".

Mal posso descrever a sensação de alivio que senti na hora. Minha vontade era pular o balcão e dar um beijo naquela guria. Agora, com 200kg de peso a menos nas minhas costas, eu podia continuar a viagem.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Dia 9 - Bolonha

Vou segredar algo aqui pra vocês: eu só incluí Bolonha no roteiro com um simples objetivo: poder ir até Maranello, a casa da Ferrari. Só que Maranello é uma cidade microscópica, cuja única razão de existência é a Ferrari. Portanto eu tinha que me hospedar em uma cidade próxima. Bolonha, no caso.

Só que mesmo estando perto de Maranello, não consegui descobrir nenhum jeito de ir direto. Primeiro eu precisa ir de trem até Modena e de lá pegar um ônibus pra ir até Maranello. Só que Modena é uma cidade relativamente pequena, onde quase ninguém fala inglês. Obviamente que a essa altura do campeonato eu jã dominava quase que completamente o sistema de trens da Itãlia. Ja com os ônibus era outra história.

Saí da estação e fui caminhando até o terminal de ônibus. Uns 15 minutos. Como a moça que vendia o bilhete não sabia falar inglês eu fui obrigado a gastar todo o meu italiano com ela. Cheguei na boca do caixa e falei "MARANELLO!".

Depois foi a vez de descobrir qual ônibus tinha de pegar. Mais uma vez fui obrigado a me comunicar apenas no estranho dialeto italiano: "Ferrari?", eu perguntava pros motoristas até algum deles falar que sim.

Mais meia horinha de ônibus e cheguei até Maranello. Pouco depois de entrar na cidade, o ônibus passou por cima de uma viaduto e eu pude avistar o incrível circuito de Fiorano, onde a Ferrari testa seus carros. "Uau, depois do museu vou em Fiorano!", pensei.

Mas naquele momento eu tinha preocupações maiores: descobrir onde descer pra ir até o tal Museu. Escaneei o ônibus atrás de pessoas que se parecessem minimamente com turistas. Porque obviamente que se houvesse turistas no ônibus, também estariam indo pro museu. "Ah, Clayton, mas por que em vez de ficar tendo todo esse trabalho você nâo simplesmente pede ajuda pro motorista?", perguntaria você. "JAMAIS!", eu respondo. Perguntar caminho obviamente vai contra todos os meus principios. Prefiro passar a noite na rua a perguntar como chegar em algum lugar!

Bom, Só que todo mundo parecia estar indo trabalhar. Ninguém aparentava ser turista indo pro Museu. Mas eis que de repente dois sujeitos com aparência latina se levantam e dão sinal pro ônibus parar. "Ah, esses caras devem manjar, segui-los-ei".

Claro! Óbvio! Evidente! Ululante! Seguir turista não tem como dar certo. É um cego guiando outro cego. Mas notei que não achar o tal museu era algo meio comum. Toda hora parava um carro do meu lado perguntando como chegar até ele.

Considerando que todo mundo só vai naquela cidade por causa do Museu, imaginei que deveria ter placas em toda esquina indicando o caminho. Mas obviamente eles querem que você fique dando voltas pela cidade sendo tentado a comprar os milhões de protudos ferrarísticos expostos em todo canto. E nisso dá pra notar uma coisa: A cidade vive e respira ferrari.

Uma rua típica de Maranello

Mas a cidade era pequena e acabei achando a galeria. E a visita valeu cada centavinho. Principalmente porque lá estava os carros do Prost, do Mansell e do Berger.


O carro do Prost

Detalhe do carro com o nome dele...


... e a assinatura

Claro que na fase em que eu mais gostei de F-1 na vida (aquela em que eu estava descobrindo esporte), eu odiava Prost e Mansell. Afinal, em toda corrida eles ganhavam do Senna. Mas por conta disso esses caras acabaram assumindo um status mítico do meu imaginário. Um posto que nem Schumacher e seus sete títulos conseguiu alcançar. E ver os carros deles ali foi como ser arremessado sem escalas de volta à infância

Portanto posso dizer que ir até a Galeria Ferrari foi de arrepiar.

Depois da galeria tentei ir no famoso restaurante "Il Cavallino", mas estava fechado por férias. Então fui tentar observar algo do circuito de Fiorano.

Claro que era tudo cercado de mato para que ninguém pudesse espionar os testes. Portanto não dava pra ver nada. Já estava quase achando que tinha perdido meu tempo, mas em vez de desistir fiquei andando em volta do circuito até achar algum lugar que pudesse me ofercer alguma visibilidade.

Foi entâo que mal pude acreditar no que meus olhos viram:  um BURACO na cerca, que me permitiu finalmente chegar mais perto ver o circuito. Mas infelizmente nâo estava tendo nenhum teste :(



O tal buraco na grade

Cadê os carros???

PARTE 2

Todo mochilâo que eu faço destroi alguma parte do meu corpo. No primeiro foi meu pé, que ficou de tal maneira que eu nao podia andar sem mancar. Só que agora, já calejado, não cometi os mesmos erros e meu pé ficou inteiro. O mesmo nâo pode ser dito sobre o meu joelho direito...

As subidas intermináveis das montanhas de Cinqueterre acabaram com minhas articulações. E pra piorar toda nova cidade que eu ia ficava no topo de colinas. Como já mencionei aqui, até subir e descer dos trens era um sacrificio. Por isso foi com imenso alívio que encontrei em Bolonha e Maranello cidades planas, onde eu podia caminhar sem parecer ter 200 anos de idade.

Mas claro que mesmo quando tudo parecia bem eu tinha que inventar algo pra estragar tudo...

Voltei pra Bolonha à tarde e decidi que queria ir até o santuário da Madonna de San Luca. E sabe onde fica esse santuário??? Sim, amigos. No ALTO de uma colina de 300 METROS. Mas nâo é só isso. Pra chegar lá é preciso percorrer o maior dos pórticos de Bolonha. São 3.5km de escadas e rampas até o santuário. O pórtico é formado por 666 (!!) arcos, todos numerados para que a gente tenha a noção exata da agonia... você olha o número e vê que está no cento e alguma coisa.... sobe, sobe, sobe, e quando olha de novo percebe que nâo chegou nem no 200...

Subi aquilo tudo prometendo pra mim mesmo que meu próximo mochilão seria num SPA...

Brincadeira, foi legal demais ;)



Subi tudo correndo enquanto cantarolava "GONNA FLY NOW"

Não chega NUNCA

O santuário

Dentro da basílica que fica lá em cima

GALERIA DE FOTOS



Mais cenas comuns de Maranello



Carro e apetrechos do Leão





O museu é cheio de bugigangas ferrarísticas

Carro do Massa

E do Alonso



A basílica da Madonna de San Luca


O mais longo dos pórticos bolonheses