terça-feira, 24 de agosto de 2010

Dia 6 - Siena

Aqui vai uma verdade sobre os trens na Itália: eles SEMPRE atrasam... a menos que você chegue à estação dois minutos dopois do horário...

Trem perdido, roteiro do dia indo praticamente pro beleléu... nada a fazer a não ser esperar pelo próximo. E enquanto esperava se aproximam dois policiais armados.

- documento

Lá vem dor de cabeça...

- Aqui está, sr. policial italiano

Entreguei o passaporte pro cara. Ele olha página por página e quando pensei que ia me devolver, tira uma caderneta do bolso e começa a fazer diversas anotações

What the hell? Pra que isso agora, pensei.

E por mais que você saiba (ou pelo menos ache) que está tudo certo, acaba batendo uma ansiedade pra que aquilo termine logo... mas não terminava. O cara virou a página e continuou anotando. Enquanto isso me lembrei da tal da questura... eu tinha lido em algum lugar que é necessário informar a questura italiana sempre que você for ficar mais de dez dias no país...

putz, como eu fui esquecer disso? Será que ele vai encher o saco por causa desse troço? Damm it, não devia ter empurrado com a barriga! pensei.

E enquanto eu fazia minhas suposições malucas e paranóicas de que sairia dali algemado, ele acabava praticamente de copiar meu passaporte todo. Então finalmente me devolveu e agradeceu. Pensei em perguntar o porquê daquela checagem, Se era algo rotineiro ou se eu tinha cara de suspeito. Mas em vez de perguntar preferi observar se eles iam pedir o documento pra mais alguém na estação.

Não pediram ¬¬

Finalmente peguei o trem rumo a Siena. Estava indo de volta pra Toscana, minha região preferida da Itália.

Lá ia seguindo o trem, todo bacanão, pelas belas paisagens da Toscana quando de repente se aproxima de uma estação chamada "Castellina in Chianti-Monteriggioni"

Me deu um frio na espinha na hora. Eu SEMPRE quis conhecer o castelo de Monteriggioni e não fazia ideia de que o trem ia passar por ali.

Eis o lugar onde quero ir. Peguei a foto do site do castelo. Por razões óbvias ainda não posso fazer imagens aéreas

Eu tinha 25 segundos pra tomar uma decisão antes do trem seguir viagem: descer ali com toda a mochilona nas costas, em um lugar que não conheço, sem nenhum planejamento e conhecer Monteriggioni. Ou deixar pra lá e seguir viagem.

20 segundos...

- Cara, eu disse pra mim mesmo, é sua chance de conhecer Monteriggioni. Desce do trem e vai logo pra lá

15 segundos...

- Anda, meu! Desce logo do trem que já vai fechar a porta... larga a mão de ser bundão.

10 segundos...  

Foi então que num raríssimo momento de sensatez eu disse pra mim mesmo: "Você está louco??? Vai descer numa cidade que você não conhece com 15kg de bagagem nas costas? Torrar debaixo desse sol por sabe-se lá quanto tempo? E Além disso você nem tem ideia do caminho pro castelo de Monteriggioni. Tá na cara que vai se perder... esquece essa história!

5 segundos...

- Ah, que se dane... já tô aqui mesmo...

Peguei minhas coisas e pulei do trem pra tentar achar o caminho desconhecido que me levaria a Monteriggioni.

- Putz, que merda que eu fiz???? Melhor voltar correndo pro trem!

Tarde demais, a porta se fechou e o trem foi-se embora me largando sozinho ali no meio do desconhecido.

Eu devia dar mais ouvidos ao meu lado sensato...

Saí da estação e descobri que estava em uma cidadezinha chamada Castellina Scalo. Tão pequena que em 10 minutos eu já tinha saído dela. Achei uma placa que indicava Monterrigioni e segui pela rodovia.

A tal cidadezinha microscópica

Sim. Pela rodovia. Lá estava eu, igual um burro de carga, sob o sol da Toscana*, com 500kg nas costas e andando por uma autoestrada com carros a 90km por hora zumbindo no meu ouvido.  Mas o bacana é que a paisagem toscana sempre faz valer a pena.


Andei vários quilômetros sem nem sinal do castelo. E claro, quanto mais eu andava, mais longe ficava pra voltar. Já estava achando que tinha feito a maior besteira do mundo e pensei em desistir. Mas depois de andar mais um pouco avistei uma colina e os muros de Monterrigone lá em cima.


As torres do castelo láááá longe, no alto da colina. E também um pedaço da rodovia.

Vocês não imaginam como estava quente. O sol é daqueles que arde. Subi toda a colina e quando atravessei as portas da cidade estava encharcado de suor. E provavelmente sem alguns dos meu preciosos kg.


O finalzinho da estrada, quase chegando na porta do castelo

Mas valeu a pena. Monterrigione é super bacanuda. Toda a colina é repleta de vinhas e lá de cima tem-se uma visão muito bacana da paisagem toscana.



Dentro dos muros



  
As vinhas, onde são produzidas uvas pro vinho Chianti






Depois de descansar um pouco na cidade. Fiz todo o caminho de volta até a estação. Cheguei lá exatamente um minuto antes do trem que sairia pra Siena.

Incrível! Absolutamente incrível!

Eu não estava acreditando. Tinha saído completamente do roteiro, me metido em um lugar totalmente desconhecido, sem nenhum planejamento e tinha dado tudo certo?? Algo não estava fazendo sentido...

Mas tudo bem. Lá estava eu no trem pra Siena. De volta ao roteiro. Tudo planejado, mapas preparados, etc. O pior tinha ficado pra trás

Desci na estação e fui atravessar a rua. Esperei um tempão e nada de parar de passar carro. Nisso vem uma moça de trás e simplesmente se joga no meio da avenida. Os carros, claro, param pra ela passar, assim como em Roma. Se todas as cidades fossem assim meus problemas com travessia de rua estaria solucionado...

Fui caminhando até o centro e... putz... o que esse povo tem contra construir cidades em lugares baixos? Por que tem que ser tudo em cima das colinas? Com a articulação do joelho direito ainda toda ferrada por causa das trilhas de 5terre, não foi fácil escalar o morro até o centro histórico de Siena.

Trezentas mil ruazinhas estreitas depois, cheguei à piazza principal da cidade. "Bom, agora é só procurar o hotel e me livrar logo dessas tralhas". Teoricamente o hotel deveria ficar perto da piazza. Mas sem brincadeira nenhuma, Siena parece um labirinto de ruas estreitas e construções medievais. Quando passei pela quinta vez em frente à mesma loja percebi que estava perdido.

Peraí.. eu desço num lugar desconhecido, ando kms por uma rodovia maluca e tudo dá certo? E agora que estou de volta ao planejado me perco? Qual o sentido disso?

Ahá, mas por essa ninguém esperava. Calejado que sou, dessa vez eu trouxe os mapas da Itália no meu GPS. Dei dois tapinhas nas minhas costas, me cumprimentando pela genialidade. "Quando teve a fila pra distribuir inteligência eu cheguei cedo e ainda entrei duas vezes", pensei. Com o celular na mão apertei alegremente o botao pra ligar o GPS que me mostraria com perfeição o caminho a seguir.

A tela ficou acesa por cinco segundos. Apareceu o aviso de bateria fraca e desligou tudo na minha cara. Tentei religar mas já era... a bateria tinha ido pro saco.

Tentar achar o caminho sozinho era inutil. Não ia adiantar nada ficar andando à esmo por aquele labirinto com 300kg de tralhas nas costas. Ainda mais depois de ter ido a pé pra Monterigione. Ah... uma detalhezinho. Eram 18:30. A recepção do hotel fechava às 19hs. Se eu nao achasse a dita cuja em meia hora corria o risco de passar a noite na rua.

Deixa eu explicar. Na realidade não é bem um hotel. Esse pessoal tem uma série de quartos em diversos prédios espalhados pelo centro de Siena. Então você chega até essa recepção central e de lá eles te encaminham para algum desses quartos. Como é um esquema muito caseiro, não tem estrutura pra recepção 24hs.

Mas pra que me desesperar, correto? Sentei na piazza del Campo, coloquei minha mochila no chão e fiquei observando o lugar enquanto esperava alguma ideia genial surgir na minha mente. E que lugar bacana. Famílias, casais, gente jovem, velha, cachorros e tudo quanto é ser vivo aproveitando o fim de tarde ali na piazza.

Claro! O notebook!

Lá estava a ideia pela qual eu esperava.

Tirei ele da mochila e praticamente montei um escritório a céu aberto em plena Piazza del Campo. Usei o cabo USB do celular para liga-lo ao notebook e voila! Funcionou que é uma beleza.



A piazza onde montei meu nucleo de operações via satélite. Ahh, por favor reparem no chão (a parte cinza)

Cheguei à recepção 19:30. Olhei pela porta de vidro e tinha uma mulher falando no telefone enquanto duas crianças corriam ao redor dela. Ela fez sinal pra eu entrar. Inutilmente mandava as crianças ficarem quietas ao mesmo tempo em que tentava fazer a pessoa que estava do outro lado da linha desligar.

- ok...
- si...
- ok...
- si... si...

Duzentos milhões de monosílabos depois ela conseguiu desligar o telefone e deu um suspiro de alívio. Eu também. Aparentemente fui salvo por seja lá quem for aquele chato que estava do outro lado da linha e nao deixou a mulher ir embora no horário.

Check in feito. Ela pegou as duas crianças e foi me levar até onde seria o meu quarto. Entrou por uma ruazinha, virou em outra e foi se embrenhando pelo meio do labiritno que é Siena.

Logo eu, o maior especialista em se perder do mundo...

Quando chegou lá pela quinta rua eu já não tinha mais a menor ideia de como sair dali. E pior. Se saísse, jamais ia conseguir voltar. Estava pensando até em deixar predegulhos pra marcar o caminho quando finalmente ela chega até o prédio. Olho pro lado e vejo uma ruazinha reta que leva direto pra Piazza del Campo.

Respirei aliviado. Nem mesmo eu ia conseguir me perder ali...

*Prometo que é a últinma vez que uso essa expressão =P

3 comentários:

  1. Essa história do cemitério foi o maior plot hole que já vi. Você obviamente não sabia como solucionar esse mistério e simplesmente jogou como cliffhanger, e agora faz um episódio dando a entender que nada daquilo foi canon. Mais um retcon e eu paro de ler este seriado!

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  2. é, foi sacanagem não continuar a história... tô muito decepcionada, Clecle!

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  3. pô clayton, cria vergonha nessa sua cara e atualiza isso... daqui a pouco vc volta e não contou toda a viagem... :(

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